Falta de planejamento ainda é maior impedimento para instalação de aterros

Clóvis Benvenuto

Clóvis Benvenuto, diretor técnico da Geotech Geotecnia Ambiental Consultoria e Projetos e vice-presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP)

Por Bruno Pedroni – O engenheiro Clóvis Benvenuto, diretor técnico da Geotech Geotecnia Ambiental Consultoria e Projetos e vice-presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), conversou com o Geosynthetica.net.br sobre os diversos aspectos que envolvem os aterros sanitários no país. Desde a ampliação dos prazos legais, que será analisado neste ano, até questões técnicas, Benvenuto também abordou aspectos importantes do uso de geossintéticos que garantem a segurança destes espaços. Confira a entrevista.

Como você vê as perspectivas de cumprimento dos prazos para a instalação de aterros sanitários no país? Quais são os desafios das pequenas cidades?

A princípio, o problema dos pequenos municípios são dois: falta de recursos e de capacitação técnica. A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi promulgada em 2010 e nesses 4 anos os pequenos municípios pouco fizeram. Há alguns exemplos esporádicos de tentativa de formação de consórcios de municípios, que é uma prática recomendável, no entanto é difícil. Aspectos administrativos e políticos, principalmente, são entraves nesse processo.

instalação de aterros

Aterro Sanitário de Santo André em 25 de novembro de 2014.
700 toneladas por dia, Fase 2 , Etapa 1. Projeto executivo de ampliação e assessoria técnica para implantação e operação da Geotech (“construção”).

O que tenho visto para este ano, em termos de perspectiva, é um projeto de lei para prorrogar o atendimento à lei, de 3 a 6 anos. Segundo a proposta, municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes teriam 5 anos para dar fim aos lixões e 6 anos para as cidades com população inferior a 50 mil habitantes. A própria proposta deixa os municípios pequenos em uma condição confortável. Há setores contra e a favor dessa prorrogação e o novo congresso, que toma posse em fevereiro, terá a missão de decidir esta questão.


Tecnicamente é viável instalar todos estes aterros nestes prazos sem prorrogação?

O que existe é falta de planejamento. Os planos é que vão definir os cronogramas de trabalho. Obviamente que não dá para implantar tudo de uma vez, mas se, por exemplo, fossem feitos planos e fossem definidos quais municípios em dez anos teriam seus aterros, em quinze anos outros, de maneira escalonada, montando consórcios, a longo prazo teríamos garantido resultados. Mas não é isso que está acontecendo. Na prática, está se pedindo prorrogações sem nenhuma estrutura adequada para atendimento o que é necessário e esse, ao meu ver, é o problema.

instalação de aterros, geossintéticos

Inauguração da operação em 17 de março de 2015 do Aterro de Santo André. Implantação da infraestrutura foi terminada.

Antes da capacitação técnica existe a demanda por recursos financeiros. Existe uma série de técnicos e empresas em todo Brasil que têm condições de fazer isso. É preciso de ações nos níveis federal e estadual para dar suporte aos municípios a nível técnico, o que é muito mais fácil que dar suporte econômico. Esta gestão infelizmente não está sendo feita de forma adequada, e simplesmente está atendendo “o sufoco”, pois de certa forma todos estão fora da lei e sujeitos a ações no Ministério Público.


Que tipo de suporte técnico os governos poderiam dar para estes municípios para que desenvolvessem este tipo de cronograma?

Acho que podem contribuir desde a parte técnica de engenharia, como também na escolha de locais, projetos e licenciamento, até a parte gestão de contratos, formação de consórcios regionais, montando estruturas para que se entenda como é formada e interage cada região. Enfim, teria que se ter uma ação político-administrativa não custosa, mas sim de intenção para organizar este processo para que, de forma gradual, o país todo fosse sendo coberto. Quando se fala de estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste é preciso que o Governo Federal ajude, pois na maioria dos casos a esfera estadual não tem condições que viabilizar. Nem todos estados destas regiões tem Plano de Resíduos Sólidos formulado, para se ter uma ideia do atraso.
Qual o desafio dos demais estados que estão mais avançados na instalação de aterros sanitários?

Creio que seja a implantação prática da Coleta Seletiva para que estes recicláveis cheguem às indústrias de reciclagem e não sejam enterrados nos aterros. É tão ou mais importante avançar na Coleta Seletiva porque ela garante a expansão de vida útil dos aterros, apesar de ser mais cara que a coleta convencional. Mas ela já é lei. Os municípios têm que colocá-la em prática.
Como as prefeituras estão respondendo às demandas?

Os Planos de Gestão Integrada (de resíduos) são fundamentais. Eles disciplinam a evolução desse processo na direção correta. Fizemos recentemente um Plano (PGIRS) para uma cidade no interior de São Paulo de 200 mil habitantes, portanto de porte médio, e pudemos constatar a quantidade de ações que devem ser tomadas, impossíveis de serem feitas ao mesmo tempo com todos os problemas que eles têm. Em nosso planejamento tivemos que realizar um plano de atendimento ao plano e também a aplicação do plano à realidade, porque não se tem recurso e nem pessoal técnico dentro da Prefeitura. Foram feitas nove reuniões e duas audiências públicas para estudar a região e as demandas da população.


Qual sua trajetória na área?

Trabalho com aterro sanitário desde 1991, quando então trabalhava no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), onde fiquei até 1997. Foi quando abri a Geotech. Desde 1991 já usávamos Geomembranas e Geotêxtil na construção de aterros. No início usávamos Geomembranas de PVC, depois por questões técnicas passamos para PEAD, e à época além do Geotêxtil Não-tecido usávamos também o Tecido. Inclusive, nesta época não eram laminados. Outro aspecto interessante é que o Geotêxtil era usado apenas para o dreno e a Geomembrana só para a base, não usando para os taludes. Fazíamos como se fosse uma “fralda”, não envolvendo totalmente os resíduos. Hoje em dia os resíduos são envolvidos totalmente em um sistema fechado. Os geossintéticos atualmente são utilizados para facilitar muitas operações em termos de execução, em termos de desempenho e mesmo de economia. Hoje também está viabilizado o GCL e também, em alguns casos, membranas para cobertura, inclusive temporárias, que temos dado ideia de uso de membranas de “sacrifício” ou para cobertura parcial e temporária dos resíduos, mas ainda está em projeto. E não se pode esquecer dos Geotubos usados na drenagem do sistema em sua base.


Como estão estes primeiros aterros que você trabalhou?

Alguns aterros já estão esgotados e então há o processo de encerramento dos aterros que é também cuidadoso, segundo as prescrições da Cetesb. E cada caso é um caso, há um roteiro, mas não há regra pronta neste caso tanto na questão técnica como administrativa dos aterros. Cada um tem suas características próprias e talvez esta seja a peculiaridade desta área, pois os projetos têm de se adequar ao local.
Na sua opinião, qual é o principal problema técnico mais comum nos aterros?

Creio que é a falta de fiscalização técnica. A área que se faz o aterro a fiscalização é deficiente. Isso dá margens a falhas ambientais. Por exemplo, do que adianta instalar uma Geomembrana de PEAD, resistente, e não observar certos aspectos importantes da instalação como a solda até mesmo buracos e furos. Porém o uso sem distinção de Geomembrana acaba com seus problemas (ironia). Já fizemos um projeto viabilizamos sem membrana, porque não precisava, era só com solo, pois se tratava de uma ampliação em cima de lixo também. Já havia um aterro e era sem geomembrana. Colocar mais resíduo em cima não aumenta o passivo ambiental. Fizemos apenas um sistema de drenagem entre as duas partes e a Cetesb aprovou o projeto. Foi quando alguém sem prescrição resolveu comprar e instalar a geomembrana na obra para conter a compactação do solo. A Cetesb fiscalizou e obrigou que o projeto fosse refeito e contemplasse a inclusão, mesmo que parcial da Geomembrana e tivemos que adaptar o projeto. E isso já mostrou que colocar Geomembrana em cima de lixo é algo não adequado. Já sabemos que pode virar um “escorregador” de lixo. Os geossintéticos devem ser usados de acordo com suas características e as características de cada projeto, porém muitas pessoas ainda não entendem isso.

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Bruno Pedroni é o editor de Geosynthetica no Brasil.